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Resenha: POEMIA (Rabujah, 2021)

 

Após um longo hiato, o cantor e compositor capixaba RABUJAH retorna com uma reflexão magnificamente profunda sobre conexão, entrega e presença nas relações afetivas modernas, lançando seu melhor trabalho até então e reiterando sua identidade enquanto cantautor de maneira retumbante com o fantástico POEMIA.


Olhe pra mim, quero que te atente ao que meu corpo revela de frente”. Com esta linha direta e altamente significativa, Juliano Rabujah não apenas dá início à audição, como define o tom e a intenção de seu registro mais recente de maneira clara e impactante, sumariamente indicando sua estatura e visceralidade com uma fala simples, mas de fortitude arrebatadora: “Vou correr até chegar.


Dono de um trabalho versátil calcado na mistura da tradição da música brasileira com uma forte carga de experimentalismo estético e de uma voz retumbante, Rabujah realiza um projeto-solo que, tendo rendido três registros homogeneamente eficazes, mas marcadamente distintos entre si (o ótimo O Que Meu Samba Tem e os EPs siameses Quarto & Sala / Cozinha Americana), passou por um período de latência prolongado.


Agora, o cantor e compositor capixaba retorna com POEMIA, trabalho de longa gestação que não apenas quebra seu jejum criativo com força inequívoca, como delineia a sua identidade artística e reitera sua sensibilidade particular com excelência, se estabelecendo como uma reflexão altamente contundente sobre a natureza e as nuances das relações afetivas modernas num universo caótico.

 

Originalmente concebido como um espetáculo musical ao lado de Nicolas Soares e realizado num período prolongado junto de um vasto grupo de colaboradores que inclui nomes como Henrique Paoli, Jackson Pinheiro, Gabriel Ruy, André Prando e Rodolfo Simor, este Poemia imediatamente chama a atenção pela maneira com que se revela um passo evolutivo em relação aos seus predecessores: Expandindo e refinando o senso de ternura e franqueza que permeiam o lirismo de Rabujah ao mesmo passo em que desnuda sua sonoridade das camadas de experimentalismo características dos registros anteriores em prol de uma estética enxuta, este disco surge como um eloquente exercício de foco e profundidade.



Trazendo oito canções que se desenvolvem ao longo de pouco mais de meia-hora de duração, Poemia é um trabalho de retidão sui generis, imbuindo cada momento com um senso inabalável de humanidade e compaixão que se mostra patente desde sua abertura (a lindíssima Arqueologia) até sua conclusão (Espelho Eu, cujo mantra intensamente amoroso conclui a obra de forma genuinamente tocante). Contando com alguns dos melhores momentos de seu autor enquanto letrista, este disco se revela uma obra de afetuosidade e esperança fascinantes que coloca sua imensa carga emocional de maneira colossalmente evocativa, mesmo em seus momentos mais agudamente cínicos (vide a indignação ressentida de Por Que, Doutor?) ou resignados (a sofrida Doemos e a solene Tarde Demais), surgindo como uma legítima ode ao ato de amar em tempos de cólera.



 

Mais que isso, este trabalho também se mostra um disco repleto de paisagens sonoras substancialmente distintas entre si (vide a dinâmica Café Pedra de Gelo e a soturna Sozinha) que se entrecruzam com fluidez e naturalidade, refletindo sua construção precisa e a execução habilidosa a partir do trabalho duma banda de apoio composta por músicos indiscutivelmente talentosos. No entanto, por mais que seja possível reiterar as habilidades particulares dos envolvidos, o fato é que este LP representa um tour de force irrefutável por parte de Rabujah, o qual explora sua potência vocal singular com segurança absoluta e volumes de expressividade. E não há testamento maior de seu talento visto aqui do que a soberba Opusdapeste (Solidão), a melhor do registro.




Inegavelmente bem-realizado, irrestritamente emotivo e incisivamente cativante, Poemia representa um bem-vindo e poderoso retorno para seu autor, que não apenas mostra um nível impressionante de maturidade e elaboração, como também uma pontualidade necessária para um contexto tão sombrio quanto o qual vivemos atualmente. E sua habilidade em traduzir com nitidez reflexões profundas sobre o que existe de mais quintessencial em nossas constituições não apenas o caracteriza como um exemplar de percepção distintiva dentre seus pares, mas como uma obra que dialoga com os filmes de nossas vidas, como temos em nossas cabeças. Indicação obrigatória.

 
 
Guilherme Guio
Guilherme Guio
Publicitário por formação, especialista em Comunicação Corporativa e Inteligência de Mercado, é o editor e redator principal do RTC. Atuando como consultor de Marketing Cultural, resolveu dar vazão aos seus arroubos verborrágicos através deste projeto. Também é tabagista compulsivo, cinéfilo inveterado, adepto de audiófilo e dançarino amador vergonhoso nas horas vagas.

1 Comentário

  1. […] invejável formado por nomes como Gabriel Ruy, Edu Szajbrum, Roger Rocha, Pedro de Alcântara e Juliano Rabujah, além do co-produtor Rodolfo Simor (parceiro recorrente de Abreu), esta performance figura como um […]

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