Desde que despontou nas mídias sociais com suas composições há quase uma década, a cantora e compositora Ana Müller tem sido recorrentemente notada como uma das figuras mais expressivas e consistentemente fascinantes a surgirem no Espírito Santo durante os anos 2010.
Dona de uma voz potente, lirismo visceral e franqueza avassaladora, Müller é uma artista incisiva cujo trabalho dialoga direta e intensamente com a profundidade da alma humana, revelando universos de sentimentos complexos que são abordados com uma mistura assombrosa de acessibilidade, crueza, eloquência e graciosidade.
Tendo construído uma fan base expressiva, um currículo notável de apresentações marcantes (que inclui participações em festivais nacionais como DoSol, Bananada, SIM SP e CoMA) e um catálogo crescente de registros (que inclui o estarrecedor Incompreensível e o ótimo Taquetá Vol. 1), Ana agora retorna com TERNURA, disco que não apenas marca um novo momento em sua trajetória de maneira admirável, como a consolida como uma autora de densidade e solidez irrefutáveis.
Produzido por Niela Moura e Pedro Altério no estúdio Gargolândia (SP), este registro imediatamente chama a atenção por sua estética minimalista, a qual abdica das tonalidades popescas do compacto de 2017 e da intrincada tapeçaria sonora de Incompreensível em prol duma abordagem essencialista centrada na voz e no violão como elementos frontais sobre arranjos enxutos e numa MPB que remete fortemente aos idos da carreira de sua autora.
Contando com sete faixas que trespassam econômicos 26 minutos de duração, este LP pode ser descrito como uma obra sobre auto-cooptação e ressignificação que funciona, simultaneamente, como uma continuação e como uma subversão da jornada de exploração identitária e emocional que caracteriza o trabalho de Müller.
Isso se deve tanto ao espírito resoluto da obra, a qual já deixa sua tônica clara desde o princípio (Recomeçar, a emblemática faixa de abertura) quanto à maneira com que o disco concilia passagens de confessionalidade catártica esperadas (Tão Triste e Solidão (Culpa Dela)) com instantes de vivacidade e doçura revigorantes (a suíngada Sereia) que surpreendem pelo otimismo, num contraponto altamente instigante.
Fundamentalmente um trabalho altamente sutil de transição prismática, Ternura também fascina ao revelar uma faceta mais esperançosa e calorosa da cantautora em momentos que, fortemente ancorados no caráter edificante do amor romântico, são dotados duma leveza deleitante e dum senso de paz interior tocante (vide a belíssima Love Song). O resultado é um disco singelo e multifacetado que costura composições pontualmente contrastantes (mas homogeneamente ricas) com habilidade e coesão (outro sinal crítico da inteligência de sua abordagem estética), ilustrando o rico universo subjetivo de Ana e seu constante amadurecimento com nitidez e sensibilidade.
Trazendo Müller em seu momento mais percebidamente confortável como cantora e compositora, este álbum serve como uma vitrine cristalina da potência e da autenticidade de sua autora. Novamente expressando volumes de pathos e emotividade com sua entonação singela, Ana revela domínio e intimidade total com suas funções aqui, recitando suas (ótimas) letras com dinamismo, discrição e expressividade singulares num exercício categórico de autenticidade (vide a magnífica Até a Festa Acabar, a melhor do registro).
Conciso, contundente e cativante, Ternura é um trabalho de clareza e honestidade patentes que não apenas serve como (mais uma) prova dos vastos talentos de Ana Müller, como abre novas portas para sua musicalidade, concluindo sua jornada de maneira soberba (Volta) que convida a repetidas audições. Mas, acima de tudo, representa um passo à frente na trajetória duma artista de competência e solidez indiscutíveis. E isso, nessa altura do campeonato, se revela muito mais que o suficiente para torná-lo uma recomendação obrigatória.