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Resenha: Hedonism
(Cambriana, 2020)

 

Em seu terceiro álbum, o projeto goiano Cambriana sintetiza suas vastas potencialidades para realizar seu melhor trabalho até então (e um dos discos mais brilhantes já recomendados no RTC), se consolidando como um dos grupos mais fascinantemente interessantes e ricos em atividade no atual circuito nacional no processo com o soberbo Hedonism. (ARTE: Gabriella Reiscal / Luis Calil)


Desde que surgiu há quase dez anos com o ótimo House of Tolerance, o Cambriana consistentemente tem dado provas contundentes de que é um dos nomes mais versatilmente sofisticados e artisticamente ricos em atividade no atual circuito musical brasileiro. Tendo sido alçado à posição de promessa com seu primeiro álbum e faixas como The Sad Facts, Vegas e Swell, o projeto goiano fez jus às expectativas com uma série de lançamentos que, homogeneamente fascinantes e substancialmente distintos entre si (vide o fenomenal Worker EP e o espasmódico Manaus Vidaloka), comprovavam categoricamente um nível de talento e apuro singular que é encontrado apenas em projetos altamente profissionais e dotados de um senso de identidade inequivocamente sólido.


Agora, em meio ao contexto da pandemia do Covid-19 e de um dos momentos mais caóticos da Humanidade, o projeto capitaneado pelo talentosíssimo Luis Calil retorna prontamente (ainda mais quando consideramos o longo período de realização de seu predecessor) com aquele que se mostra seu registro mais maduro, coeso e primoroso até então, o estarrecedor Hedonism.

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Composto, produzido, mixado e masterizado por Calil (o qual gravou todos os instrumentos ao lado do co-compositor e parceiro recorrente Pedro Falcão), Hedonism pode ser descrito como um trabalho de simbiose referencial e criativa: Mesclando a acessibilidade melódica de House of Tolerance com a grandiosidade estrutural de Worker EP e fortes pinceladas do experimentalismo de Manaus Vidaloka, este novo disco cataliza as maiores potencialidades musicais do Cambriana em suas diferentes fases para criar uma audição que trespassa enxutos 26 minutos divididos em oito faixas (uma sendo Aroma, um belíssimo interlúdio instrumental) com concisão, magnetismo e elegância irrepreensíveis.



De sua faixa de abertura (a cativante Induction Bread) até sua conclusão, este novo registro presenteia o ouvinte com uma jornada marcada por uma série de paisagens habilmente elaboradas que se mostram equivalentemente eficazes em seu intuito de atrair o ouvinte e fasciná-lo com sua mistura de densidade, proficiência técnica e espírito edificante. Conciliando passagens marcadas pela mistura de suavidade e tensão característica de seus autores (Gamma Ray-Burst, a melhor do disco, e a instigante Huge!) com momentos profundamente solenes (a tocante Locked Up Box e This is Water) e instantes que remetem diretamente aos requintados mosaicos sonoros do Radiohead das fases Amnesiac e A Moon Shaped Pool (vide a fantástica faixa-título e Rave On, a qual encerra o disco), este trabalho figura como uma das produções mais impressionantes já resenhadas por nossa editoria, dado o nível de excelência artística e técnica aqui demonstrado. E aqui vale ressaltar que este registro se torna ainda mais fascinante quando notado que este trabalho foi realizado integralmente em domicílio durante o período da pandemia, tornando-o um esforço ainda mais deslumbrante.



Além disso, este LP também apresenta uma subversão particularmente intrigante por meio de sua abordagem lírica: Ainda que várias das letras presentes retomem a forte mescla de melancolia e sardonismo latente que se tornou outra marca registrada do projeto em questão, as composições aqui apresentadas se mostram inusitadamente doces e otimistas em suas mensagens (sutilmente) esperançosas e repletas de afeto, evocando uma leveza (ou um senso de hedonismo, como o próprio título indica) que, por vezes, contrasta brutalmente com a espessura da sonoridade correlata e com o contexto em torno de seu lançamento.



 

Trazendo um Luís Calil no auge do domínio de seu ofício como artífice, Hedonism também serve como uma prova categórica e irrefutável do talento inato de seu autor: Acumulando o processo produtivo da obra em suas mãos com segurança, inteligência e competência insuspeitas, Calil demonstra aqui alguns de seus melhores momentos em cada uma das funções desempenhadas, servindo como um tour de force autoral ridiculamente admirável (novamente, a faixa-título e Huge!). Enquanto isso, Pedro Falcão se mostra um colaborador inestimável por meio de suas contribuições instrumentais e de composição, ajudando a materializar a sonoridade ambiciosa do disco com classe e precisão.




Magnificamente expansivo, milimetricamente calculado e executado com um bom-gosto assombroso, Hedonism é um trabalho hermeticamente concebido e realizado que figura não apenas como a obra-prima do Cambriana até então, mas como um dos discos favoritos da editoria do RTC desde o surgimento do site. E que o trabalho aqui exposto sirva como estímulo para que seus geniais autores alçem vôos cada vez mais altos, visto que sua qualidade já foi provada de maneira exemplar em sua ilustríssima discografia. Disco genial de um projeto genial que merece ser conferido repetidas vezes com admiração e zelo. Obrigatório.

 
 
Guilherme Guio
Guilherme Guio
Publicitário por formação, especialista em Comunicação Corporativa e Inteligência de Mercado, é o editor e redator principal do RTC. Atuando como consultor de Marketing Cultural, resolveu dar vazão aos seus arroubos verborrágicos através deste projeto. Também é tabagista compulsivo, cinéfilo inveterado, adepto de audiófilo e dançarino amador vergonhoso nas horas vagas.

1 Comentário

  1. […] Calil construiu uma discografia impecável (a qual inclui o ótimo Manaus Vidaloka e o soberbo Hedonism) que lhe garantiu forte reputação e uma base fiel de admiradores, equiparando-o sem reservas a […]

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