É sempre fascinante quando um grupo ou artista incipiente consegue empregar suas referências e ideias de maneira clara e bem-amarrada desde o início, permitindo a compreensão de sua proposta sonora com um senso simultâneo de referência e inventividade, como ocorre com o Bad Feels Club.
Desde que surgiu no final dos anos 2010 com uma série de apresentações marcantes nas festas da antológica produtora Antimofo, o conjunto vem ganhando campo e se consolidando como um dos exemplares mais pungentes e distintivos em atividade no atual circuito independente capixaba por conta de sua mistura de estética marcante, sonoridade híbrida e entrega explosiva tanto em seus registros quanto em suas apresentações.
Tendo dado uma amostra de seu potencial com um excelente single de estreia (Wasted Lands) e posteriormente registrado sua energia visceral nos palcos com uma performance no programa CASA BRAVO, o BFC agora dá um passo definitivo em sua trajetória ao lançar BADLAND, compacto de quatro faixas que não apenas dá uma visão panorâmica de seu universo musical, como o coloca categoricamente no grupo seleto de projetos musicais altamente promissores a darem as caras nos últimos cinco anos.
Produzido pela própria banda ao lado de Breno Vazzoler ao longo de 2021 e projetado como um EP clássico de dois lados (a primeira metade se revela mais dinâmica enquanto a segunda se mostra mais soturna), Badland imediatamente chama a atenção pela maneira resoluta e instigante com que distingue suas quatro faixas dentro de concepções claras e caracterizações bem delineadas, calcando-as fortemente em campos de referência muito específicos.
Enquanto a frenética Cinnamon abre a audição se enquadrando na estética emo contemporânea ao mesmo passo em que evoca as raízes pós-hardcore oitentistas do gênero, a divertidíssima Bloody Sucker Blues mergulha diretamente no Garage Rock que dominou o início do século XXI em sua crueza e derivações, fazendo referências vocabulares precisas a uma miríade de sub gêneros (como o Punk Blues do White Stripes e o indie suíngado do Arctic Monkeys) num verdadeiro passeio estilístico repleto de easter eggs.
E vale ressaltar que esta lógica contrastante e hiper-textual se mantém de forma pungente mesmo na parte mais leve do registro, visto que, enquanto a melancólica Little Seagull abraça as texturas mais solenes do post-Britpop (vide Keane e Snow Patrol), a magnífica As We Flow parece ter saltado diretamente dum disco de rock alternativo dos anos 90 (mais precisamente, Siamese Dreams, do Smashing Pumpkins).
O resultado final é um trabalho inventivo e dotado de evidente verdade emocional que não apenas evita a cilada de ruir sob o peso da própria necessidade de auto-afirmação e de todas as referências, como se beneficia imensamente destas últimas pela maneira honesta e parcimoniosa com que as emprega para construir uma linguagem própria. E isso por si só já é uma prova do talento e da inteligência de seus autores.
Registrado de modo a novamente expor um grupo bem-integrado e confortável, este compacto também mostra um senso de arranjo e dinâmico diferenciado por parte de seus autores: Enquanto a cozinha formada pelo baixista Vinicius Carvalho e pelo baterista Laio Masruha criam bases sólidas e calculadamente pulsantes para paisagens sonoras altamente díspares, a guitarra lead de Guilherme Cavassa preenche tais espaços com linhas e timbres cirurgicamente precisas que surpreendem pela versatilidade.
Por final, o vocalista Enzo Salviato registra devidamente sua espontaneidade (vide Bloody Sucker Blues) e sua intensidade característica por meio de interpretações que não apenas traduzem a carga emocional de suas composições com profundidade, como também ilustram sua entrega irrestrita de maneira irrefutável (e aqui friso novamente As We Flow, a melhor do registro).
Habilmente realizado, autêntico e, acima de tudo, cativante, este Badland é um trabalho admirável em sua coesão e honestidade que não apenas comprova o potencial de seus autores, como também dá sinais claros dum futuro potencialmente brilhante à frente. É um registro viciante que certamente servirá de trampolim para o Bad Feels Club e que deve ser abraçado não apenas como um estímulo, mas como um EP autossuficiente que merece ser escutado no repeat.