Figura carimbada e registrada do crescente circuito musical capixaba, André Prando vem atraindo a atenção e a admiração do público por conta de sua musicalidade camaleônica, sua irreverência enérgica e sua voz potente. E, após construir sua carreira como promessa e conquistar um fanbase na cena local com diversas apresentações e com um eficiente compacto de estreia (Vão EP), o cantor e compositor diz categoricamente a que veio e se mostra pronto para alçar vôos cada vez maiores com seu primeiro disco completo, o excelente Estranho Sutil.
Produzido por Rodolfo Simor e gravado no estúdio TORRE Inc., este Estranho Sutil pode ser definido como uma demonstração abrangente e audaciosa de versatilidade e solidez. Trazendo dez faixas que transitam elegantemente entre gêneros (Rock psicodélico, ecos de stoner, samba, folk e o que mais puder) e eixos temáticos (amizade, resignação, solidão, inquietação social, entre outros), o álbum é extremamente bem-sucedido ao desenvolver uma imagem complexa e multifacetada de seu autor, retratando sua jornada de auto-descoberta e amadurecimento sem se ater especificamente a uma tese central ou reduzir seu escopo, trazendo uma boa parcela de passagens marcantes no processo.
Além disso, o disco também merece créditos por trazer arranjos e letras que abarcam universos simbólicos e conceitos bem distintos, mas se entrecruzam de forma surpreendentemente coesa, refletindo o apuro tanto na concepção cuidadosa de cada faixa como na articulação da obra como um todo - E é interessante notar como que faixas tão díspares como a satírica Circo dos Palhaços Dixavadamente Imorais e a densa Devaneio conseguem coexistir no contexto da obra de forma harmoniosa para o ouvinte.
Esse zelo acaba por tornar o disco um trabalho de vida própria com uma narrativa sonora bem-definida e um senso de integração admirável, evitando a armadilha de transformar este LP de estreia num greatest hits prematuro, como ocorre com tantas bandas que lançam seus primeiros discos completos já tendo uma parcela de composições fechadas.
Trazendo uma banda de apoio que se revela tão acertada quanto íntima com o projeto, o disco se materializa de forma notável por conta da familiaridade dos músicos com o material. Nesse aspecto, é fundamental notar a excelente cozinha formada pelo baixista Bruno Massa e pelo baterista Henrique Paoli: enquanto Massa traz energia e pressão através de suas linhas pulsantes e elaboradas (vide as próprias Circo dos Palhaços e Devaneio), Paoli demonstra domínio sobre a seção rítmica, alternando entre uma verve explosiva (Amiga Vagabunda, a faixa rocker do álbum) e a contenção de acordo com a necessidade (a belíssima Inverso Ano Luz).
Da mesma forma, o produtor Rodolfo Simor emprega seus dotes como guitarrista para deixar sua marca através de solos e linhas incisivas e de precisão cirúrgica (vide O Brother e Vestido Cor Maça,
que também traz uma interpretação potente do autor da faixa, Augusto Debanné), provando sua compreensão em torno da obra e sua compatibilidade com o artista produzido.
Por final, o próprio Prando se revela o grande centro gravitacional do disco, empregando sua voz poderosa e seu ecleticismo colossal para transitar entre as diferentes paisagens sonoras com segurança e entrega absolutas (nesse aspecto, vale frisar Choro Plebeu e Linha Torta, as melhores do disco). E seu misto de desenvoltura e segurança na interpretação de suas composições não formam apenas um dos grandes atrativos do disco como também dão uma estatura significativa ao registro de forma uniforme e impressionantemente consistente.
Impressionante em sua concepção, enxuto e esbanjando alma em cada um de seus versos, Estranho Sutil é um trabalho intenso e caleidoscópico que serve como prova cabal do talento de seu autor e indício do caminho que pode vir a seguir caso continue neste rumo. Mais que isso: é também o registro contundente do nível de qualidade visto na cena musical capixaba e o retrato fidedigno de um artista cheio de ideias promissoras que sabe rir de si mesmo, mas que indubitavelmente leva seu trabalho muito a sério. E que venha o segundo disco.