O ÓCIO nunca foi uma banda convencional, se podemos colocar dessa forma. Formado em 1999 , o trio capixaba passou por várias formações durante seus anos no cenário musical local, teve uma extensa estadia na Inglaterra com direito a incursões no cenário underground europeu e, em quase vinte anos de existência desde seu estágio embrionário, lançou apenas dois discos e um EP.
Com uma postura low profile e uma sonoridade bem peculiar (a qual dificilmente alcançará grande público, ainda mais no Brasil), é o tipo de banda que parece priorizar a experiência propiciada pela Música em vez de estabelecer-se como um grupo que direcionado para o sucesso comercial. E, talvez, seja justamente a união entre essas características e sua trajetória profissional que torna a banda tão singular. E toda essa caracterização idiossincrática pode ser observada em seu disco de estréia, o sensacional Mood Swings.
Produzido por Sérgio Benevenuto, Mood Swings, como o próprio título sugere, é um disco bipolar. Não apenas tematicamente, como visto nas letras do guitarrista e vocalista Daniel Furlan (as quais giram em torno de tópicos como Raiva, Angústia, Depressão e Isolamento).
Não. Mood Swings também é um disco conceitualmente bipolar, uma vez que as melodias agitadas e energéticas se contrapõem diretamente à visão pessimista exposta nas letras. E essa abordagem dicotômica acaba sendo um dos detalhes mais interessantes do disco e um de seus pontos fortes.
Contando com influências de punk, blues e grunge, o álbum alterna momentos de exaltação (Give Up) com espasmos furiosos (Worse e Natural Born Cleaner II) e instantes solenes de profunda introspecção (The King of the Gas Station) com uma fluidez admirável.
Além disso, o apuro visto no disco (e aqui, novamente, cito a extraordinária “Surprise, Surprise“) e o preparo minucioso da sonoridade contida em cada uma das faixas são dignos de uma reflexão acerca da capacidade produtiva para gravação e produção encontrada no Espírito Santo.
Porém, nada disso seria possível se o ÓCIO (aqui em sua formação clássica) não fosse uma máquina extremamente bem engrenada e preparada. E é exatamente esse tipo de integração que se percebe nesse disco, que acaba sendo configurado também como um ótimo registro duma dinâmica invejável.
Furlan, com sua guitarra agressiva, realiza um trabalho admirável criando linhas e riffs retos e marcantes que abrem espaço para solos com maior impacto (como na ótima A Little Dizzy). E sua voz dissonante cai como uma luva para retratar todo o sentimento de inquietação e desconforto necessário..
Enquanto isso, o baixista Rodrigo Larica realiza um trabalho sólido, conferindo peso e levada para cada faixa (The G.P. Song), criando uma base intensa e eventualmente deixando sua marca em passagens repletas de sutileza (como no terço final de The King of the Gas Station
E vale frisar que essa solidez é compartilhada pelo baterista Patrick Preato, o qual demonstra uma energia assustadora nas faixas mais agitadas (a intro de Worse é um de seus melhores momentos no disco) mantendo uma pegada sempre controlada e precisa, resultando numa combinação extremamente agressiva e poderosa.
Impedido de ser um trabalho irretocável apenas pela presença da fraca The Unbelievable Pleasure of Frustration (a qual prejudica o ritmo do álbum), Mood Swings ainda é beneficiado por um fechamento (a solene Livingstone Road) que cria um equilíbrio interessante com a faixa de abertura. E o resultado final é um trabalho excepcional que, além de mostrar todo o potencial do trio, faz com que torçamos para que não tenhamos que esperar mais quatro anos por outro disco. O rock nacional precisa urgentemente de exemplos assim.