Dono de uma proposta fortemente calcada na mistura de Blues Rock com elementos de sonoridades caracteristicamente brasileiras, o The Baggios é um grupo digno de nota: munido apenas da potência de seu som e de uma autenticidade insuspeita, o duo sergipano tem trilhado o caminho das pedras do mercado independente e prosperado na conquista de público e renome, vindo a ser reconhecido recorrentemente como um dos melhores grupos nacionais de Rock a despontarem nos anos 2010. Agora, três anos após o lançamento de seu último registro (o magnífico Sina), o grupo retorna para enfrentar com segurança o desafio do “mítico” terceiro disco e se consolidar com seu trabalho mais eclético e ambicioso até então, o excelente Brutown.
Produzido pelo duo ao lado de Felipe Rodarte, este novo registro se revela tanto uma continuação espiritual de seu antecessor quanto uma expansão substancial do universo sonoro e simbólico de seus autores. Da abertura explosiva (a ótima Estigma, que conta com a participação de Emmily Barreto do Far From Alaska) até sua conclusão apoteótica (Soledad, que conta com a presença de Fernando Catatau e Felipe Ventura), Brutown impressiona pela versatilidade e pela energia absurda que permeiam seus 44 minutos de duração, os quais transcorrem com agilidade e consistência admiráveis.
Além disso, o disco exibe uma bem-vinda ambição temática por meio de seu pertinente eixo central (Caos Social) e suas letras instigantes e incisivas (vide a faixa-título), as quais se contrapõem aos arranjos edificantes com elegância e inteligência, refletindo o amadurecimento da dupla e o caráter dicotômico da obra.
Realizado a partir de um leque amplo de influências e de um forte senso de exploração sonora, este novo trabalho também chama a atenção pela forma com que incorpora novos timbres, instrumentos, texturas e elementos estilísticos em sua composição para ampliar consideravelmente e conferir uma consistência admirável ao seu escopo.
Das pinceladas de Surf Rock ouvidas em Desapracatado (que conta com as participações de Gabriel Thomaz e Érika Martins), passando pela pegada forte de Saruê (que conta com a participação de Jorge Du Peixe) e pelo espírito western de Miquin até o baião contagiante de Medo, a série de inferências e participações especiais aqui escutada é altamente eficaz em seu objetivo de transformar Brutown numa obra multifacetada que soa rica e grandiosa sem jamais perder de vista o eixo “guitarra e bateria” que caracteriza seus autores.
Novamente servindo de vitrine para a química invejável existente entre o guitarrista/vocalista Júlio Andrade e o baterista Gabriel Carvalho, este álbum ainda traz um terceiro elo na presença de Rafael Ramos, o qual assume as teclas, o baixo e os backing vocals de várias faixas. E, como não podia deixar de ser, todos revelam seus dotes em passagens bem distintas, mas homogeneamente eficientes: Enquanto Andrade se mostra ainda mais confortável e inventivo em sua dupla função, Carvalho imbui todas as faixas com uma mistura de precisão e verve incontida enquanto Ramos se revela uma adição valiosa por meio da base de apoio sólida que cria ao redor da dupla principal.
E, ainda que seja possível pontuar diversas destas passagens ao longo do disco (vide as ótimas Alex San Drino e Padece Ser), o fato é que a belíssima Sangue e Lama (a melhor das doze presentes no álbum e que traz os backing vocals de Lara Celi e Winnie Souza) acaba sintetizando todas estas observações com pompa e uma potência admirável.
Além disso, é interessante notar como a miríade de participações especiais presentes neste registro surgem com o intuito de não apenas enriquecer substancialmente as composições nas quais são inseridas, mas também conferir diversidade ao universo de Brutown de forma rica e vivaz.
Altamente reconhecido na temporada de premiações (incluindo uma merecida indicação ao Grammy Latino) e listas de melhores discos do ano, Brutown é um trabalho de dinamismo e ferocidade fascinantes que não apenas faz jus à substancial promessa deixada por seus antecessores como ainda eleva brutalmente o padrão para seus autores. E, se não há mais dúvidas em relação à solidez e à criatividade do duo sergipano, o único questionamento que resta é quanto tempo o The Baggios vai levar para atravessar categoricamente a barreira do mainstream e se tornar uma figura referencial no rock brasileiro. A julgar pela qualidade do que vimos em sua carreira, isto não está muito longe de acontecer. E que venha o quarto disco.