Parte da promissora leva de grupos e artistas que têm dado as caras no Espírito Santo no início dos anos 2020, Alinne Garruth se distingue entre seus pares por conta de sua persona vibrante e sua sonoridade despojadamente híbrida. Misturando Pop, R&B, Hip-Hop, Música Latina e Beats dentro de uma linguagem que flerta pesadamente com a MPB, a cantora e compositora tem seu maior diferencial em sua mescla de visceralidade, voracidade e vocabulário, os quais são empregados para criar um trabalho que habita um espaço de intersecção entre o experimentalismo e a acessibilidade. Tendo lançado um apanhado de singles e um EP (Abre Alas, lançado no ano passado), a capixaba agora retorna com Coroa, compacto que não apenas aprofunda seu universo sonoro como dá contornos claros à sua identidade artística de maneira expressiva e cativante.
Realizado como parte do projeto de residência artística Delta e co-produzido pela musicista ao lado de seu parceiro recorrente, Leonardo Chamoun, e do produtor musical Rodolfo Simor no núcleo Bravo LAB., este EP imediatamente se distingue de seu predecessor ao trocar a construção mosaical de Abre Alas por uma abordagem conceitual: Da edificante faixa de abertura (Encontro Entre Deus e o Diabo) até sua conclusão (a pulsante faixa-título), Coroa traz a busca por definição pessoal e pela própria potência como fio condutor temático, servindo simultaneamente como uma declaração e como um auto-exame por parte de sua autora.
Encadeando quatro paisagens sonoras altamente distintas entre si, mas homogeneamente enxutas (a média de duração das faixas gira em torno de dois minutos e meio), Coroa também chama a atenção pela maneira focada e energética com que registra e expande o extenso leque de influências e referências de Garruth, retomando a mistura estilística que caracteriza seu trabalho de maneira organicamente evolutiva, adentrando campos antes inexplorados ao mesmo passo em que preserva elementos previamente estabelecidos (como o forte lastro percussivo e o senso de latinidad). O resultado final é uma obra que amplia a sonoridade de sua autora ao mesmo passo em que estreita seu foco, num movimento de amadurecimento artístico patente.
Revelando uma crescente ambição artística e um maior aprumo na concepção das faixas, este compacto também se revela uma obra que constantemente cria uma contraposição interessante entre densidade e dinamismo, imbuindo todas as canções com uma estética multinivelada (é possível reconhecer os lastros estilísticos, mas há sempre muito mais a ser notado) e uma urgência que se moldam admiravelmente bem à proposta de cada composição. E aqui vale frisar a instigante Tudo ou Nada (a melhor do registro), a qual traz uma forte carga de ansiedade que contrasta de maneira fantástica com seu arranjo compassado (e é aqui que a inventividade e o raciocínio lateral de Simor se mostram claros, assim como seu característico timbre de guitarra).
Bem-sucedido ao conseguir materializar sua proposta temática nas performances de sua autora, Coroa registra Garruth em um momento de maior desenvoltura como letrista e intérprete. Abraçando o desafio inerente a encabeçar um trabalho tão multi-facetado com conforto, Garruth incorpora personas vocais distintas e transita entre momentos de maior tensão (a supracitada Tudo ou Nada) e leveza (a radiofônica Cara) com naturalidade e um bem-vindo senso de desapego.
Incrivelmente curto, honesto e estimulante, Coroa é um compacto que cumpre seu propósito com elegância e competência, servindo como um ótimo passo à frente para Garruth ao mesmo tempo em que abre novas possibilidades para sua sonoridade de maneira inequívoca. Vale a pena imergir por algumas vezes. Afinal, nem sempre alguém consegue passar um recado tão claro como este em 10 minutos.