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5 DISCOS #11

 

A série 5 DISCOS é uma forma de apresentar ao público alguns álbuns e compactos que foram considerados dignos de nota pela edição do Road To Cydonia.

Misturando estilos e sonoridades, a lista tem como intuito a difusão de tais trabalhos de forma econômica e direta, assim como incentivar a troca de informações sobre lançamentos que têm dado as caras nos últimos tempos. Sem mais delongas, vamos à décima primeira edição:

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COLT COBRA (Colt Cobra, 2020)

Segundo do disco do Colt Cobra, este registro epônimo traz o trio vilavelhense de volta com sua sonoridade crua, enxuta e dotada de um senso de aspereza todo particular. Retomando o autointitulado raw trash blues (curiosamente, também título do disco anterior) visto pela última vez em 2017, este novo álbum surge como uma eficiente retomada do punk blues dissonante e evocativo que caracteriza o trabalho de seus autores de maneira inegavelmente honesta e focada. Trazendo um grupo de dez faixas altamente dinâmicas que se mostram homogeneas em agilidade e economia (a faixa mais longa figura em 2 minutos e 36 segundos), este LP convence justamente por sua proposta clara e execução eficiente, soando como uma mistura altamente abrasiva de Flat Duo Jets, Stray Cats e o Black Keys da fase Thickfreakness no processo.


Conseguindo estabelecer momentos claramente distintos mesmo apesar da curta duração das faixas e de escolhas tímbricas que beiram a uniformidade (basta comparar I Don't Wish You Well, I Was Wrong e Reasons to Hate You All, as melhores do registro), o disco merece crédito pela forma com que abraça uma estética lo-fi como linguagem para sugerir uma sonoridade vintage desgastada pelo tempo e pelo ambiente, em vez de desculpa para mascarar falhas no processo produtivo. Recomendado para aqueles que desejam ouvir uma sonoridade híbrida que entrega o que propõe de forma reta, sincera e vigorosa.

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LOW HYPE MACHINE EP (Thaysa Pizzolato, 2020)

Compacto de estreia do projeto-solo da ótima Thaysa Pizzolato (Auri, A Transe, Lera entre tantos outros), este Low Hype Machine representa a primeira incursão por parte da instrumentista e produtora à frente de um trabalho artístico após se consolidar como uma musicista de apoio altamente prolífica e talentosa, se mostrando também um elegante registro de apresentação de sua onda particular. Composto por seis faixas instrumentais caracterizadas por um synthwave de fortes ares retrô, o EP foi idealizado como uma trilha focada na construção de ambiências evocativas que se mostram elaboradas e concisas em medidas equivalentes, resultando num trabalho coeso que cumpre seu propósito de forma admiravelmente despretensiosa.


Mesclando passagens que trazem um forte senso de urgência (Mayday, Runaway e Mayhem) com instantes imersivos que indicam uma espacialidade bem peculiar (Moontalk, Fly Girl Fly e Room 87, a melhor da tracklist), este registro não apenas ganha vastos créditos por conciliar uma proposta fundamentalmente laboratorial com uma bem-vinda acessibilidade, como ainda consegue a proeza de se enquadrar dentro da vasta gama de projetos experimentais que tem povoado o circuito independente ao longo da última década sem jamais soar enfadonho ou cansativo. Uma ótima recomendação para aqueles que desejam ouvir um som viajandão e feito com apuro que, além de cativante e altamente deglutível, serve como uma eficaz demonstração da voz artística de sua autora.

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ABRE ALAS EP (Alinne Garruth, 2020)

Outro EP de apresentação presente nesta lista, o primeiro compacto da cantora e compositora Alinne Garruth faz jus ao próprio nome pela maneira potente e altamente dinâmica com que apresenta seu caleidoscópico universo musical (o qual hibridiza uma base de MPB com um vasto acervo de elementos estilísticos), servindo como uma admirável demonstração do escopo e da ambição de sua proposta. Produzido e gravado pela musicista ao lado de seu companheiro, Leonardo Chamoun, o compacto traz meia dúzia de composições que, equivalentemente contemplativas e dotadas dum forte senso de passionalidade, se desenvolvem de maneira deliberada ao mesmo passo em que evidenciam a miríade de influências empregadas por Garruth (como Trap, Música Latina, Folk, Trip Hop, R&B, entre tantas outras) com nitidez insuspeita.


Trazendo uma seleção de faixas que concilia momentos de auto-afirmação (a faixa-título, Quiero Más e Sucesso) com instâncias mais reflexivas (a sensível Eu e Azar) e de confessionalidade visceral (Quente Como na Fronteira do México, a melhor das seis), formando um trabalho que, mesmo breve (a duração total da audição fica abaixo de vinte minutos) e enxuto em sua concepção, consegue dar um panorama claro da versatilidade da artista e indicar as sementes criativas a serem exploradas em trabalhos futuros. Altamente recomendado para todos aqueles que desejam conhecer uma artista jovem e de imenso potencial que não tem medo de arriscar e explorar ideias e predileções com entrega irrestrita.

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SÍTIO (Rodrigo Novo, 2020)

Segundo registro e primeiro disco completo do cantor e compositor Rodrigo Novo, este Sítio representa tanto uma expansão substancial do trabalho iniciado em seu predecessor (o compacto Lá e Cá, de 2017) quanto um profundo mergulho no universo introspectivo do cancioneiro. Produzido pelo ótimo Henrique Paoli (BORABAEZ, André Prando, Ana Muller, Melanina MCs, entre outros) e gravado junto do engenheiro Ricardo Ton na seclusão do sítio Vale do Sol (Biriricas, ES), o disco traz uma intensa jornada de rediagramação que acaba por se configurar como uma inspiradora ode à senciência, à beleza do prosaico e, em última instância, à ingenuidade do espírito humano.


Construído a partir duma dúzia de canções homogeneamente contemplativas e melancólicas que se enquadram na definição dum folk psicodélico altamente palatável, o disco imediatamente chama a atenção por seu caráter intimista e pela forma com que evoca um forte senso de bucolismo que não apenas ilustra a solitude recorrentemente discutida nas letras (e a eventual solidão oriunda desta), como também colabora para caracterizar este LP como um trabalho pontual diante do contexto no qual foi produzido. Com uma tapeçaria sonora que costura uma série de ponderações a respeito de conceitos como Identidade (Sozinho em Vão, Sossego Descansado e Amásia, escrita por Vitor Hertel), Afeto (Embaralhou e Sinastria) e Ressignificação (Miragem, Chuva, Pássaro e Voei), o disco pode ser descrito como uma longa meditação tendo as faixas como partes de um grande fluxo de consciência. E o fato de que Novo e seu time criativo conseguiram sustentar esta ideia por 56 minutos sem jamais tornar a audição cansativa ou enfadonha é digno de nota por si só.


Fortemente ancorado na voz delicadamente expressiva de seu autor e na criação de paisagens sonoras que soam equivalentemente reconfortantes e etéreas, mas distintas entre si, este registro também traz uma série de participações especiais (A Transe, André Prando, Duriez) que elevam cada faixa ao conferir camadas adicionais de densidade à carga emocional estabelecida (vide Ir Dormir, que traz a fenomenal Ana Muller). Contando com uma boa parcela de momentos genuinamente tocantes (Arrumar de Novo a Casa, a melhor do LP) que culminam num fechamento sublime (Cego, que ganha uma interpretação radicalmente mais profunda quando escutada no contexto da obra), Sítio é um trabalho complexo e habilmente executado que não apenas serve como uma consolidação do talento de seu autor, mas como um ótimo ponto de respiro para estes tempos tão nefastos. Vale muito a pena ouvir.

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TOCA (Gabriel Ruy, 2020)

Recorrentemente reconhecido como um dos melhores instrumentistas em atividade no Espírito Santo por conta de seu trabalho como baterista, o multi-instrumentista e produtor Gabriel Ruy é uma figura singular: Dono de uma forte vinculação à Música que vem desde o berço (ele é filho do guitarrista Mário Ruy, da antológica banda Os Mamíferos) e de uma trajetória de décadas que, iniciada praticamente na infância, o levou a colaborar com diversos nomes oriundos do circuito estadual (como Aurora Gordon, SILVA, TAMY, Saulo Simonassi, Lucas Arruda, entre incontáveis outros) e do cenário nacional (como Gabriel Grossi e Jahfa), o músico conquistou espaço e renome em função de sua mistura assombrosa de versatilidade, precisão e criatividade. Sendo um dos nomes mais requisitados do atual cenário musical capixaba, Ruy recentemente iniciou uma série de incursões no universo da produção musical, vindo a lançar o ótimo compacto Casa e este magnífico Toca, disco que figura como uma obra-prima precoce e um dos trabalhos mais admiráveis já avaliados pela editoria do RTC desde sua incepção.


Essencialmente um projeto altamente pessoal realizado com um vasto (e absolutamente invejável) grupo de colaboradores, o disco consiste em uma compilação de diferentes paisagens sonoras que, impressionantes em escopo e diversidade, foram concebidas como parte de um grande exercício de linguagem e comunhão musical. Hibridizando um amplo leque de gêneros e temas que, homogeneamente atraentes, permitem ao autor e seus convidados explorarem suas respectivas sensibilidades com fluidez e potência (basta notar o contraste absurdo entre Ar Lindo, Aquela Maluca, Pipinha e Baião pra Esquina), Toca é um trabalho maravilhosamente apurado que constantemente impressiona pela mistura de classe e dinamismo que permeia cada um de seus 56 minutos de duração.


Trazendo um grupo irrepreensível de colaboradores (que inclui nomes como Edu Szajnbrum, Roger Rocha, Giovani Malini, Evandro Gracelli, Hugo Maciel, entre tantos outros), o disco é imensamente beneficiado pela maneira com que cada convidado consegue imprimir sua marca em suas respectivas participações, num processo que une figuras já consolidadas a nomes em ascensão (como o ótimo Oziel Neto) e inusitados (vide Jefinho Faraó) colaborando para transformar este trabalho não apenas em uma obra multi-facetada e afluente por definição, mas um retrato riquíssimo da qualidade existente no presente circuito musical capixaba. Dito isso, vale frisar as fenomenais contribuições de Chico Chagas, as quais se configuram praticamente como uma espetáculo à parte (vide a excelente faixa-título, a épica Dormi Cayndo e Frevo Safado, possivelmente a melhor do registro).


Impecavelmente executado, repleto de alma e imbuído de um senso de grandiosidade que forma um ótimo contraponto à sua proposta despojada e humana, Toca é um trabalho genuinamente fenomenal que não apenas capitaliza sobre a vasta experiência de seu autor e reitera seu talento de maneira categórica, como representa também uma das melhores (e mais completas / complexas) sínteses das imensas potencialidades vistas no universo musical do Espírito Santo. Indicação obrigatória e jóia inusitada que merece ser ouvida e recomendada ostensivamente.

 

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Guilherme Guio
Guilherme Guio
Publicitário por formação, especialista em Comunicação Corporativa e Inteligência de Mercado, é o editor e redator principal do RTC. Atuando como consultor de Marketing Cultural, resolveu dar vazão aos seus arroubos verborrágicos através deste projeto. Também é tabagista compulsivo, cinéfilo inveterado, adepto de audiófilo e dançarino amador vergonhoso nas horas vagas.

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