O Ema Stoned sempre foi um exemplar curiosamente característico em meio aos inúmeros grupos experimentais que povoam o circuito independente nacional. Com uma abordagem que pretere arranjos exuberantes, dissonância deliberada e preciosismo técnico em prol da concepção de climas particulares e homogeneamente intensos para suas faixas, o grupo paulistano se distingue de seus pares ao desenvolver uma sonoridade calcada na consonância existente entre seus membros e no senso de “transe coletivo” que permeia suas composições (e que remete fortemente à magnífica Hurtmold). Agora, quase seis anos após o lançamento de seu excelente disco de estreia (Gema, de 2013), o grupo retorna com PHENOMENA, registro que não apenas retoma as características mais preponderantes de sua sonoridade e metodologia como eleva sua produção a um novo patamar.
Produzido pela baterista Jéssica Fulganio (a qual também assume a arte gráfica e tem este registro como sua despedida do projeto) e gravado em meio a sessões de improviso livre no Estúdio El Rocha (SP), este novo registro imediatamente chama a atenção por sua estrutura diferenciada e seu caráter deflexivo: Trazendo seis atos que diferem substancialmente em duração e estética (há ecos vindos de todas as partes, do jazz ao noise), o disco apresenta longas passagens viajandonas que são uniformemente marcadas por crescendos vagarosos, contrapontos marcantes e variações precisas na dinâmica, apresentando um exercício criativo e catártico que traz um bem-vindo senso de imprevisibilidade e exploração sonora ao longo de seus quase 80 minutos de duração.
Além disso, o disco também impressiona pela forma com que consegue imbuir seus movimentos com uma mistura altamente improvável de extravagância e comedimento, conciliando as extensas sobreposições de timbres e camadas com linhas melódicas e rítmicas sempre claras que não permitem que as faixas se tornem sobrecarregadas ou intransponíveis para o ouvinte (vide o colossal Act II). O resultado final é uma obra repleta de momentos que se equilibram entre a digressão e a imersão com habilidade e peso admiráveis.
Trazendo novamente o trio original ao lado do nipônico Makoto Kawabata (Acid Mothers Temple, também colaborando com synths aqui) e Douglas Leal (Yantra, DEAF KIDS) numa formação expandida, o disco se revela imensamente beneficiado pela presença dos guitarristas adicionais, os quais conferem volumes de densidade a cada passagem (vide o Act V) e demonstram conforto ao se integrarem na linguagem do grupo. Porém, é fato que a grande força do registro reside mesmo na tríade formada por Fulganio, pela baixista Elke Lamers e pela guitarrista Alessandra Duarte, as quais se revelam no auge do entrosamento e do exercício de uma linguagem musical que soa altamente versátil e profundamente íntima ao mesmo tempo (vide o Act IV, o qual remete ao Mars Volta da fase Amputechture).
Esparso, elegante e estranhamente edificante, Phenomena é um registro ambicioso e corajoso que revela não apenas a força do Ema Stoned enquanto conjunto criativo, mas a abrangência de sua expressividade e da sua sensibilidade. E que este registro sirva não apenas como testamento de sua singularidade no universo independente, mas como mais um marco numa trajetória que cada vez mais fascinante de se acompanhar.