Dono de um trabalho rico e altamente versátil que mistura uma vasta gama de influências e elementos estilísticos registrados em uma série de compactos, Dan Abranches é o tipo de artista que, inquieto e inegavelmente talentoso, vive experimentando em função da definição de uma voz artística e do desbravamento de seu potencial criativo. Agora, em meio ao caótico ano de 2020, o músico capixaba retorna em meio à pandemia com Flor de Laranjeira, compacto que não apenas dá continuidade à sua exploração sonora de maneira fascinante como mostra um lado muito mais relaxado e afável de seu autor.
Produzido por Abranches com um grupo de colaboradores dentro da lógica remota que tem regido a produção musical no contexto da pandemia global atual, este EP imediatamente chama a atenção por seu caráter despojado e pela forma com que seu autor incorpora uma forte carga de música brasileira à sua mistura já característica de Pop, Hip-Hop e R&B, inserindo elementos como percussões altamente características, violões abundantes, levadas de estilos tradicionais (como samba) e letras em português à sonoridade previamente estabelecida. O resultado dessa combinação é um trabalho focado e tecnicamente elegante (kudos para a mixagem e masterização de Leonardo Chamoun) que constantemente frisa suas inovações estéticas na mesma medida em que se mostra confortavelmente familiar, numa progressão fluida e sutil.
Deve-se observar que esta proposta simbiótica já se mostra evidente de forma inequívoca na excelente Laranja, faixa que dá início à audição sem cerimônias e com um senso de sofisticação admiravel. Combinando uma levada extremamente suave com um arranjo elegantérrimo que ainda conta com uma percussão marcantemente econômica, a track cria uma base hipnoticamente confortável para que Abranches realize uma declaração de amor com seu flow preciso e uma discrição que denota uma tranquilidade relativamente atípica em seu trabalho (basta contrastar com a tensão sufocante de Dark Cloud). E, ainda que pequenos sinais de cinismo se revelem aqui (Love is a losing game), a mensagem final é tão contemplativamente edificante que se torna óbvio que estamos diante de um Dan que está ocupando um outro plano de perspectiva lírica e mental.
Vale ressaltar que esta lógica não é apenas mantida como intensificada na track seguinte, Maracujá. Embalada pelo violão de Daniel Silva e pela letra repleta de simbolismos de Abranches e Nina Oliveira, a faixa surge como uma canção mântrica de introspecção e conexão que flutua sobre sua base tétrica de maneira intermitente, mas nunca desfocada. E é interessante notar como que, apesar de sonoramente mais sinuosa que sua predecessora, esta faixa também mostra um Dan ainda mais confortável e easy-going.
Por final, a sambesca Nó encerra o compacto num finale que não apenas conta com a participação de Gabriela Brown, como ainda cria o contraponto mais acentuado da audição ao empregar uma abordagem bem reta, um arranjo despojado e a lisura do dueto de vozes para realizar um confissão conflituosamente áspera e repleta de questionamentos pontiagudos. É um contraste simples e divertido que implica a espirituosidade de seu autor diante da estruturação deste trabalho.
Acompanhado por music videos finos realizados pela ótima dupla MAGU para cada faixa (e que você pode conferir logo acima), Flor de Laranjeira é um trabalho enxuto e cativante que não apenas cumpre a missão de quebrar o jejum da quarentena e mover seu autor adiante com segurança e solidez, como ainda dá sinais claros e inegavelmente interessantes do rumo futuro de seu trabalho. Vale a pena conferir e relaxar com este som no repeat.