Fernando Zorzal

Resenha: IRIRIU (André Prando, 2024)

Em seu terceiro disco, André Prando escancara as fronteiras de sua sonoridade e avança com afinco na delineação duma identidade artística amadurecida, inaugurando uma nova fase em sua carreira de maneira ambiciosa e elaborada com o aguardado IRIRIU. (ARTE DA CAPA: Melina Furlan e Caio Mota)

Possivelmente a figura artística mais citada neste site, o cantor e compositor André Prando vem construindo uma trajetória como um dos nomes referenciais do universo musical capixaba desde 2014 (ano de lançamento de seu EP de estreia, Vão). Munido de uma sonoridade híbrida, voz potente e persona magnética que se complementam com suas letras profundamente intimistas e apresentações altamente energéticas, Prando tem traçado um caminho marcado pela construção de uma discografia admirável – que inclui os ótimos Estranho Sutil, Voador e Calmas Canções do Apocalipse EP, além de um apanhado de feats – e uma base de fãs cativos ao longo de uma década, vindo a se tornar um dos nomes mais evidentes e prolíficos de seu circuito.

Agora, quase seis anos após o lançamento de seu último disco, Prando retorna investindo numa nova direção para seu trabalho artístico e reiterando suas potencialidades mais preponderantes de maneira categórica com IRIRIU, seu aguardado terceiro álbum.

Produzido pelo próprio Prando ao lado de Rodolfo Simor (também produtor do primeiro disco) e gravado nos estúdios Funky Pirata e Bravo LAB, Iririu imediatamente chama a atenção pela maneira com que se distingue de seus predecessores em forma e conteúdo, substituindo a crueza roqueira de Estranho Sutil e a densidade psicodélica de Voador por um espírito mais leve e um senso de experimentalismo que o transformam num grande exercício estético, conferindo caracterizações marcantes a cada uma de suas onze faixas.

Trespassando parrudos 44 minutos de duração, este novo registro é edificado sobre investidas em diferentes estilos musicais, como forró (Zum Zum Zum, também presente no disco de estreia do Chorou Bebel), reggae (a faixa-título, Kaluanã, o Grande Guerreiro e a divertida Voltinha de Bike), bossa (O Lapidário de Pedras no Caminho), Marchinha (AMORTECONSIDERO), tango (a ótima Patuá, composta em parceria com Luiz Gabriel Lopes) e blues (Nuvem Passageira, releitura de Hermes Aquino), configurando-o como um mural sonoro miscigenado de escopo abrangente e contrastante.

Mais que isso: Ao reapresentar seu autor como um trovador fortemente calcado no contexto de sua identidade latina, Iririu também é um trabalho que se mostra uma verdadeira virada da chave, ainda que mantenha diálogo com os registros anteriores. Trazendo uma nova carga de misticismo e referências contextuais (vide a faixa-título e Kaluanã), este disco reinveste nos elementos transcendentais que compõem a obra de Prando ao mesmo passo em que aprofunda o foco em seu universo subjetivo, criando uma contraposição interessante entre uma substancial expansão musical e um nichamento simbólico evidente. O resultado é um trabalho de amplitude e apuro consideráveis que, indiscutivelmente impressionante do ponto de vista técnico, simultaneamente se mostra o LP mais abrangente e segmentado de seu autor.

FOTO: Melina Furlan / Divulgação

Construído sobre uma vasta miríade de colaborações artísticas, este disco computa a participação duma verdadeira legião de músicos que inclui tanto parceiros recorrentes (como Jackson Pinheiro, que aqui assina a mixagem, Thaysa Pizzolato e Fernando Zorzal) quanto colaboradores pontuais (Gabriel Ruy, Roger Rocha, Oziel Neto, Anderson Paiva, Edu Szajnbrum, Wanderson Lopes, entre tantos outros) e participações especiais (vide Juliana Linhales na versão revisitada de Zum Zum Zum, assim como Chico Chico e Jr Tostoi em Nuvem Passageira) de maneira homogeneamente marcante, num bem-vindo reflexo da afeição coletiva em torno de sua construção.

Novamente evidenciando o talento de Prando como cantautor, Iririu não apenas reitera sua competência e versatilidade (ambas já esperadas, convenhamos), como também evoca seu amadurecimento com sutileza e visceralidade equivalentes ao revelar novas nuances em suas interpretações (vide a ótima atualização de Dharma). E não há faixa mais ilustrativa dessa ideia que a magnífica Frágil, irmã de alma de Linha Torta e Concha que surge de maneira epitômica como mais um tour de force por parte de André e se posiciona com folga como a melhor do disco.

Porém, o grande chamariz deste registro reside mesmo no fascinante trabalho de produção musical e arranjo realizado por Prando e Simor, os quais retomam a parceria estabelecida em Estranho Sutil com força total e empregam uma perspectiva maximalista (além dum vasto acervo de influências) para compor paisagens sonoras imponentes que tornam a audição sempre estimulante e impedem que o ouvinte se afaste, mesmo diante do forte criptismo de algumas letras (vide O Lapidário de Pedras no Caminho). E aqui vale ressaltar que Simor também emprega suas assinaturas como instrumentista para criar intervenções incisivas e caracteristicamente eficazes (vide o solo de Muita Coisa).

Expansivo, grandioso e tecnicamente prístino, Iririu é um disco ambicioso e impressionantemente bem-realizado cuja apreciação pode variar de acordo com a expectativa e o referencial do ouvinte (a primeira metade do LP possivelmente causará estranhamento), mas serve como mais uma prova da singularidade de seu autor e anuncia uma nova etapa de seu projeto artístico com clareza e segurança absolutas. No mais, é uma forte recomendação para aqueles que desejam conhecer um trabalho minuciosamente executado de um artista potente em constante estado de transformação.

31 de julho de 2024

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20 de maio de 2018

5 BANDAS / ARTISTAS #3