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5 DISCOS #9

 

A série 5 DISCOS é uma forma de apresentar ao público alguns álbuns e compactos que foram considerados dignos de nota pela edição do Road To Cydonia.

Misturando estilos e sonoridades, a lista tem como intuito a difusão de tais trabalhos de forma econômica e direta, assim como incentivar a troca de informações sobre lançamentos que têm dado as caras nos últimos tempos. Sem mais delongas, vamos à nona edição:

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YOU'RE NO LONGER DRESSED IN BLACK (Facas Voadoras, 2010)

Uma fusão agressiva entre blues, surf music e garage rock. Essa é, talvez, uma das melhores formas de descrever o som de You’re No Longer Dressed in Black, disco de estreia do trio sul-mato-grossense Facas Voadoras. Produzido pela banda ao lado de Geraldo Júnior, o álbum mostra-se um esforço bem-sucedido em seu intuito de apresentar a banda de forma curta e grossa, trazendo 14 faixas marcadas pelo vigor e pela agilidade, oscilando entre momentos de agitação contagiante (a faixa-título e Just Like a Vampire) e instantes mais calmos e elaborados (a excelente Bruises in a Crunched Amp). Além disso, o álbum também está repleto de faixas que surgem como legítimas homenagens às próprias influências da banda (como a bluesesca É Só Uma Impressão, Meu Bem), transformando-o também em um interessante exercício estilístico.

Ancorado na química propiciada por uma formação reduzida, o álbum também serve como uma bela amostra das habilidades musicais de cada membro: enquanto o baixista Diego Boeno revela presença e intensidade com seu baixo carregado e distorcido (como nas ótimas Fuzzy Fuck e Surfin’ Devil’s Destemy), o baterista Jean Ripa eleva o som da banda com suas pegada agressiva e energia aparentemente inesgotável (como na frenética Cut Your Heels Off), o guitarrista e vocalista Leonardo Schmidt norteia o som, conferindo peso e densidade ao som do trio com sua voz marcante e trabalho de guitarra preciso (vide Superego). Enriquecido por uma estética low-fi (a qual confere ao disco um som devidamente sujo), You’re No Longer Dressed in Black tem seu ponto fraco nas fracas 1:54 e Por Certa Vez, as quais poderiam ser lançadas num single de Lados B. Mas esse é um pecadilho considerando os méritos de um trabalho que cumpre o que promete: entregar um rock sincero e de qualidade.

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GUILTY BEAT (ÓCIO, 2010)

Para muitos músicos, a gravação do segundo disco é um processo extenuante. Entre a necessidade de superar seu predecessor, o hype gerado e a pressão em consolidar sua identidade musical, essa continuação ainda traz uma escolha particularmente complexa para a banda: continuar com o estilo já estabelecido (reforçando seus pontos fortes e seu fanbase) ou investir em novos caminhos para sua musicalidade (correndo o risco de perder parte de seu público). Felizmente, o trio capixaba ÓCIO escolheu o segundo caminho, resultando no ótimo Guilty Beat. Lançado em 2010, esse trabalho representa um distanciamento do som frenético e enfurecido do primeiro disco em prol de uma abordagem mais contida e madura. E, embora possam sentir falta de sua agressividade, é inegável que a banda mantém aqui seus traços mais importantes: o caráter sincero e o punch visceral de suas músicas.

Desenvolvido ao longo de dois anos e meio em meio a um período de transição da banda, o disco revela-se um trabalho surpreendentemente pessoal ao incorporar os efeitos dessas mudanças em suas composições, refletindo o amadurecimento de seus membros ao longo desse período. E essa nova visão se manifesta de forma clara nas dez faixas aqui presentes, as quais são caracterizadas por um vigor que se contrapõe diretamente às letras cínicas, resultando numa experiência ácida que segue a lógica dicotômica estabelecida anteriormente. Reiterando as influências do trio ao mesmo tempo em que apresenta instantes contemplativos que amarram as canções (Overmedicated e Oh Dear) e dá mostras de vitalidade em momentos de energia (e ironia) contagiantes (como na viciante Guilty Sleep). Além disso, é interessante notar como a estética lo-fi adotada nas gravações confere uma aura de naturalidade ao projeto, reforçando sua autenticidade.

Trazendo uma nova dinâmica numa formação reformulada, o trio traz um Daniel Furlan mais confortável como letrista e compositor, retornando com seu timbre característico tanto nos momentos mais calmos (Acid Tongue/Bitter Lips) quanto nos mais agitados (a ótima I’ll Set Rob’s Mercedes On Fire). E sua habilidade para criar linhas simples e pegajosas aqui ganha espaço em um rápido e descompromissado instrumental (Oh Boy). Enquanto isso, o baixista Rodrigo Larica continua a conferir peso e densidade ao som da banda com linhas ricas e pontuais (Oh Well). Da mesma forma, o baterista Patrick Preato deixa sua marca nesse disco, empregando sua pegada destrutiva mesmo nas passagens mais contidas (Overmotivated). Por final, a baterista kiwi Jaana Mae traz um bem-vindo backing vocal feminino, revelando-se também uma baterista segura (vide All Right). Curto, envolvente e intenso, Guilty Beat é a prova definitiva de que o Ócio é uma banda de riqueza considerável, fazendo parte de seu testamento para a posterioridade. Vale a pena conferir.

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NO DUST STUCK ON YOU (Black Drawing Chalks, 2012)

Sucessor do ótimo Life is a Big Holiday for Us, a primeira coisa que deve ser observada sobre esse No Dust Stuck on You é a forma com que o disco apresenta possíveis novos caminho para a sonoridade do Black Drawing Chalks ao mesmo tempo em que entrega o stoner rock característico de seus autores, representando um exercício bem-sucedido de expansão dos limites da banda, preservando seus traços mais característicos no trajeto. Contando com quinze faixas, o álbum surge como um composto extremamente atrativo pela mistura sólida que exibe: por um lado, a banda continua fazendo seu rock n’ roll característico, com guitarras sujas e linhas persistentemente frenéticas (vide as ótimas Famous, I’ve Got Your Flavor e Cheat Love and Lies), revelando também um experimentalismo insuspeito através de canções que misturam elementos dançantes (Street Rider), backing vocals, linhas inusitadas (Disco Ghosts e Deni’s Dream) e peso reforçado (Swallow). O resultado é uma obra que agradará os fãs do estilo frenético presente nos trabalhos passados, assim como ouvintes à procura de um som renovado.

Trazendo o grupo em mais um momento inspirado e homogeneamente eficiente em termos de execução, merecem destaque os trabalhos do baixista Denis de Castro e do vocalista e guitarrista Victor Rocha. Enquanto Castro insere um baixo pontual e sempre carregado, Rocha se mostra bem mais à vontade nesse álbum, carregando com segurança as faixas mais contidas (como a excepcional Cut Myself in Two) e se soltando nos momentos mais furiosos. Surpreendentemente extenso (mas nunca cansativo), envolvente e tecnicamente impecável, NDSY pode não ser um álbum revolucionário e nem ter o mesmo impacto que o disco anterior, mas cumpre com louvor seu propósito de mover a banda um passo à frente. E, considerando o hype gerado em torno do BDC e dificuldade de se alcançar tal meta hoje em dia, isso por si só o torna um esforço digno de nota.

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MODEHUMAN (Far From Alaska, 2014)

Imediatamente chamando a atenção pelo escopo, modeHuman é um disco inegavelmente corajoso por sua abordagem expansiva e pela qualidade bruta que traz. Com quinze faixas que abrangem uma hora de duração, este album de estreia se revela um atestado incontestável da força sonora do Far From Alaska, o qual abraça sua versatilidade sem receios e não se priva de estabelecer composições longas e atraentes que jamais soam repetitivas ou enfadonhas. Da abertura até sua conclusão, MH representa uma experiência diversificada e constantemente dinâmica. Com um primeiro ato explosivo (que inclui as excelentes Thievery, Dino vs Dino e Deadmen), um meio mais compassado e denso (que inclui a genial Mama) até culminar numa reta final que flerta com a psicodelia e com o progressivo (fechando com a lisérgica e épica Monochrome), o disco jamais parece firmar os pés em um arquétipo, deixando as influências presentes no DNA da banda se manifestarem pontualmente - embora o Stoner seja predominante, também ouvimos ecos de Hard Rock e Alt Rock, como na divertida The New Heal).

Trazendo o então quinteto em uma demonstração de integração admirável, modeHuman também serve como um ótimo registro das habilidades do Far From Alaska enquanto banda. Enquanto a “cozinha” formada por Eduardo Filgueira (Baixo) e Lauro Kirsch (Bateria) se revela impecavelmente energética e pulsante (vide a própria faixa de abertura, About Knives e a ótima Greyhound), Cris Botarelli encontra espaço para inserir seus sintetizadores e backing vocals de forma criativa e marcantemente discreta (como na psicodélica modeHuman, Pt.1). Da mesma forma, Rafael Brasil continua se revelando um guitarrista a ser acompanhado por conta de seus timbres marcantes, pegada econômica e riffs potentes. Por final, a vocalista Emmily Barreto se consolida como a força-motriz norteadora da banda, assumindo com segurança absoluta e clareza tanto as passagens mais agitadas quando mais calmas do disco (e é virtualmente impossível escolher apenas três momentos dignos de nota) e se provando cada vez mais como uma das melhores vocalistas de Rock vistas atualmente no Brasil.

Abrangente, incrivelmente ambicioso e extremamente potente, modeHuman é o tipo de trabalho grandioso que não apenas cumpre com louvor a promessa deixada após a descoberta da banda como ainda dá uma prova cabal do talento gigantesco deste grupo que vem se estabelecendo como um dos maiores (e melhores) exemplares para o Rock n’ Roll no país.

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VENEZA (Solana, 2013)

Normalmente conhecido como o trabalho maduro ou o Game Changer de muitas bandas, o mítico terceiro disco acaba sendo um projeto particularmente complexo: Envolto em expectativas e especulações, esse trabalho frequentemente representa o ponto onde um grupo sai de sua zona de conforto e arrisca na inovação com maior intensidade, ampliando o escopo ou redirecionando seu som e, em muitos casos, alcançando o breakthrough comercial. Sendo assim, é perfeitamente natural que o terceiro trabalho do Solana surgisse quase como uma incógnita nesse aspecto: Responsáveis por dois álbuns sólidos, mas diametralmente opostos em essência (o popesco Quanto Mais Pressa Mais Devagar e o soturno Feliz Feliz), o grupo capixaba levou cinco anos para responder à grande pergunta que pairava sobre a cabeça de seus fãs: para qual lado a banda rumaria em sua terceira investida nos estúdios? A resposta é inequívoca: Sintetizando as experiências resultantes de seus discos anteriores e levando sua sonoridade a lugares ainda inexplorados, a banda realizou aquele que pode ser considerado seu trabalho mais versátil e completo no excelente Veneza.

Produzida pela banda ao lado de Marcel Dadalto, Veneza é uma obra que automaticamente impressiona pela diversidade: Transitando entre baladas retrôs (Personne), passagens psicodélicas (a ótima Franz Bardon), instantes introspectivos (Eu Não Penso em Ninguém) e momentos de pura animação roqueira (Se Eu Caio a Alegria é Geral), o disco demonstra enorme disciplina em sua realização ao cruzar estilos e influências com uma fluidez admirável. Com doze faixas que englobam pouco menos de 38 minutos de duração, o disco também se revela coeso de modo a apresentar uma experiência uniforme (mesmo com todas as variações existentes) ao mesmo tempo em que permite visitas descompromissadas sem comprometer o envolvimento do ouvinte (ao contrário do conceitual disco anterior, o qual exigia um alto nível de imersão).

Contando com alguns dos melhores trabalhos de seus membros, o álbum é beneficiado por desempenhos homogeneamente eficientes: enquanto o baterista Bento Abreu continua colocando sua pegada segura e discreta a serviço da criação de uma base sólida (vide A Caminho do Caibalion), o baixista Murilo Abreu revela um ecleticismo insuspeito em suas linhas (O.I.M.) e vocais (O Mundo Não Deve Saber), estabelecendo uma química precisa e pujante na cozinha do grupo. Enquanto isso, o guitarrista Rodolfo Simor tem aqui seus melhores momentos no grupo ao criar linhas e solos marcantes tanto pela energia quanto pela inventividade – vide a estarrecedora A Casa dos Ramalhetes, a melhor do disco e que traz uma participação especial do capixaba SILVA – ao passo em que mantém suas marcas registradas (vide seus bends característicos). Por final, Juliano Gauche abandona um pouco de sua tradicional postura morosa para revelar uma faceta mais energética e leve, mas ainda dotada de seu estilo peculiar. Denso, curto e experimental em espírito, Veneza é um trabalho caleidoscópico e multifacetado que elevam o patamar das composições na mesma medida em que respeita as obras anteriores, o álbum se prova como o melhor da banda até então.

 

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Guilherme Guio
Guilherme Guio
Publicitário por formação, especialista em Comunicação Corporativa e Inteligência de Mercado, é o editor e redator principal do RTC. Atuando como consultor de Marketing Cultural, resolveu dar vazão aos seus arroubos verborrágicos através deste projeto. Também é tabagista compulsivo, cinéfilo inveterado, adepto de audiófilo e dançarino amador vergonhoso nas horas vagas.

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